Caros leitores,
Esta edição extra de Sinal de Menos se dedica a pensar as recentes Jornadas de Junho. A composição da capa em forma de mosaico, elaborada por Felipe Drago, sinaliza os sentidos das Jornadas. Realmente elas surpreenderam a todos. O que parecia estagnado de repente se desencantou e se descongelou numa série de mobilizações e contramobilizações, que convidam à reflexão e ao desvendamento crítico.
Muito já se falou e se escreveu sobre as Jornadas, embora às vezes sem muito recuo histórico (inevitável, é verdade) e analítico-conceitual. Aqui, então, como sempre num esforço de esclarecimento social, o que importa é o empenho em distinguir o que une um determinado campo de lutas contraposto ao capital, ao poder excepcional cada vez mais em vigor e à grande mídia. Mas não só o que une, também o que separa e obriga à crítica das aparências e das ideologias da adesão, do agito e do movimento, que apenas terminam levando ao espontaneísmo e ao populismo.
Por outro lado, a essência subjaz à aparência e frequentemente esta última é mais rica do que a essência. Eis o que valoriza o registro fenomenológico do movimento em curso, com seus sentidos ambivalentes e contraditórios. Quanto mais rico e plural esse registro mais ele permitirá embasar uma crítica totalizante. Sem essa multiplicação de perspectivas, digamos, transversal – das grandes estruturas ao puro caos das ruas –, nada pode ser analisado mais a fundo. Os textos coletados na edição tentaram contemplar essa dialética entre aparência e essência e os múltiplos sentidos da revolta. Por isso ainda, reunimos tomadas de posição a partir de centros geográficos variados: Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Cuiabá.
A revista abre com uma entrevista – Os sentidos da revolta – que os editores da Sinal de Menos deram a Roger Behrens, e que foi publicada parcialmente nos círculos alemães e dinamarqueses de crítica do valor e do capital (Jungle World e Autonom Infoservice, com previsão de publicação em outros meios alemães).
O primeiro artigo publicado a seguir fornece uma caracterização do Passe Livre e do Bloco de Luta pelo Transporte Público em Porto Alegre, que acreditamos ter sido uma das melhores concretizações dos protestos de Junho. Em Resistência e o direito à cidade, DANIEL CUNHA explica o contexto no qual o movimento se desenvolveu em Porto Alegre, mostrando que ele se imbrica em um mosaico mais amplo de lutas urbanas pelo direito à cidade que questiona o modelo urbanístico e o consenso político estabelecidos.
Em seguida, vem o texto de JOELTON NASCIMENTO, O colapso do arranjo brasileiro, sobre o (des)arranjo brasileiro entre empresariado e Estado, que segundo ele, é o ponto arquimediano que une todas as múltiplas reivindicações feitas durante as jornadas, apontando ainda o paradigma de movimento social resultante do conflito.
O terceiro artigo, de CLÁUDIO R. DUARTE – O Gigante que acordou – ou o que resta da Ditadura? – busca apresentar as tensões entre o tal Gigante e o que ele provavelmente representa em termos sociais e subjetivos. O paradoxo é que se a crise da representação se instalou em Junho o que em grande parte desfilou nas ruas, para além do MPL, foi uma mera representação espetacular, um simulacro com potenciais perigosos, no limite protofascistas, e que nos levam apenas ao que resta da ditadura, a começar pela repressão militar, a mídia golpista e a onda reacionária.
O quarto artigo – A revolta e seu duplo –, de PAULO MARQUES, vai um pouco no mesmo sentido do artigo anterior, captando ricos detalhes e nuances das mobilizações. Ele busca destrinchar e identificar suas causas dentro do processo de crise capitalista e da onda de lutas sociais internacional. Procura também entendê-las como lutas sobre o valor da força de trabalho e analisa o seu duplo caráter: por um lado ligado às demandas concretas, por outro, a sua recuperação capitalista em forma de pseudorrevoltas espetaculares e conservadoras. Por fim aponta os desafios para o futuro.
Em seguida, temos dois textos que caminham pelo fio da experiência empírica das manifestações. Em Duas visões do movimento – PSOL e Frente Autônoma, SUELEM FREITAS relata duas maneiras de organizar a luta em Porto Alegre: a primeira através do partido de esquerda mais ou menos tradicional, a outra por meio de uma experiência autonomista.
Já em A comédia da moral pacífica, ANDRÉ GUERRA reflete, de maneira quase narrativa e num viés mais ou menos deleuziano, a respeito do caos e da violência que tomaram as ruas em certos momentos mais explosivos das manifestações, pensandosuas implicações para a moral normatizada do homem burguês cotidiano.
Na sequência temos um texto numa linha marxista-leninista tradicional, com DIEGO GROSSI, em seu Decifra-me ou devoro-te: as jornadas de junho/julho e a luta de classes no Brasil contemporâneo, tecendo boas considerações sobre o ciberativismo, apontando como o espontaneísmo das massas surpreendeu os agentes históricos tradicionais da esquerda. O que demonstra a necessidade desses agentes inovarem não só suas políticas, mas também os métodos de ação para que se coloquem à altura dos desafios da luta de classes no século XXI, sem, no entanto, abdicarem das ricas contribuições herdadas do passado.
Para fechar, em A mobilidade do inferno proletário: a vida nos trens da hiperperiferia de São Paulo, CLÁUDIO R. DUARTE narra a vida do proletariado urbano usurpada pelo tempo de transporte nos trens suburbanos da Grande São Paulo. Ele apresenta um pouco do mal-estar social geral que veio a furo com as Jornadas de Junho.
Boa leitura e até a próxima edição.
Agosto de 2013
[-] Sumário #Especial
Editorial
Entrevista
Os sentidos da revolta
com Sinal de Menos, por Roger Behrens
Artigos
Resistência e direito à cidade
Esboço de uma gênese do movimento em Porto Alegre
Daniel Cunha
O colapso do arranjo brasileiro
Joelton Nascimento
O gigante que acordou – ou o que resta da ditadura?
Protofascismo, a doença senil do conservadorismo
Cláudio R. Duarte
A revolta e seu duplo
Entre a revolta e o espetáculo
Paulo Marques
Visões do movimento – PSOL e Frente Autônoma
Impressões de Porto Alegre
Suelem Freitas
A comédia da moral pacífica
André Guerra
Decifra-me ou devoro-te
As jornadas de junho/julho e a luta de classes no Brasil contemporâneo
Diego Grossi
A mobilidade do inferno proletário
A vida nos trens da hiperperiferia de São Paulo
Cláudio R. Duarte